Eparquia Ortodoxa do Brasil

ICONOGRAFIA ORTODOXA

ARTE ICONOGRÁFICA

A arte iconográfica na Igreja Ortodoxa é chamada “hagiografia” ou talvez santa grafia, grafia do sagrado, grafia do(s) Santo(s), o quê quer dizer, escrever, pintar, grafar, fazer grafias (de) pessoas e temas sagrados.

A técnica com a qual esta arte é desenvolvida nasce e vive-se em Tradição, ela reúne experiência, vivência e sopro divino, podendo ser “escrita” na própria arquitetura do templo, como é o caso dos afrescos e também dos mosaicos, ou em outros suportes, como o tecido, o esmalte, o bordado e o ícone, propriamente dito, que é a hagiografia (portátil) sobre um painel, uma prancha de madeira.

TEOLOGIA DO ÍCONE

O ícone é imagem da presença do invisível... mistério que se deixa representar com matérias visíveis, palpáveis e concretas que sob a graça do Espírito Santo são transfiguradas e transformadas em oferta ao Criador de todas as coisas. Com os elementos da natureza, representamos em cores, desenhos, linhas, formas e expressões a realidade da santidade, do Reino futuro.

Testemunho da deificação do homem, da plenitude da vida espiritual, uma comunicação pela imagem do que é o homem em estado de oração santificada pela graça. De certa forma, é a pintura a partir da natureza, mas da natureza renovada, com o auxílio de símbolos. Ela é o caminho e o meio; ela é a própria oração. De lá provêm, a majestade do ícone, sua simplicidade, o calmo do movimento, do ritmo de suas linhas e de suas cores que decorrem de uma harmonia interior perfeita.

Como todo mundo sabe, trata-se de uma imagem santa, uma imagem sagrada, uma imagem teológica e litúrgica: uma “imagem que fale de Deus” e, paradoxalmente, convida nossos olhos à contemplação do mundo invisível. Santa imagem que tem seu caráter próprio, seus cânones particulares e não se define nem se limita pela arte do tempo ou do espaço, mas antes pela fidelidade à sua destinação, que é universal. Ele é a expressão da Economia Divina, resumida no ensinamento da Igreja Ortodoxa: “Deus tornou-Se homem para que o homem se torne deus”.

Para a Igreja Ortodoxa, a imagem tanto quanto a palavra, é uma linguagem exprimindo seus dogmas e seu ensinamento. É uma teologia inspirada, apresentada sob uma forma visual. O ícone é o espelho refletindo na vida espiritual da Igreja, permitindo julgar lutas dogmáticas de várias épocas.

CARÁTER DOGMÁTICO DO ÍCONE

“Faz-me ver a Tua Glória!” esta imploração de Moisés resume bem o desejo dos homens através dos séculos: ver a face de Deus. Mas, como pensar o Ilimitado, o Intemporal, numa palavra o Invisível, sem fazer dele uma caricatura e cair na idolatria? Donde a interdição formal onipresente na Antiga Aliança: “Tu não te farás imagens”. E o Verbo Se fez carne. A Palavra toma rosto! Aquele que os Profetas anunciaram e que Se manifestou por várias vezes na história humana Se deixa circunscrever num corpo, Se submete ao espaço e ao tempo, une, sem mistura nem confusão, Sua divindade à nossa humanidade. Em Jesus Cristo, o Pai Se revela aos homens de todos os tempos, dá a ver o Rosto da Segunda Pessoa da Tri-Unidade Santa.

Esta Encarnação de Deus na História permite desde então circunscrever Sua imagem divino-humana pela forma e as cores sobre uma prancha de madeira e sobre todo suporte material apropriado. Ele remonta à esta imagem misteriosa de testemunhar da hominização do Emanuel: Deus está conosco. O ícone nasceu!

Mas nascer não é suficiente. É necessário ainda crescer e atingir a maturidade. O ícone se elabora no curso dos séculos marcados por sangrentos afrontamentos entre partidários e detratores, que percebem ai pontos vitais para a vida dos cristãos. A vitória de seus defensores em 843 marca o Triunfo da Ortodoxia, quer dizer da fé justa. Esta vitória é comemorada a cada ano pelos fiéis ortodoxos no Primeiro Domingo da Grande Quaresma – o chamado Domingo da Ortodoxia.

É durante o período iconoclasta dos séculos VIII e IX que a Igreja formula claramente o porte dogmático do ícone. Ao defender as imagens, a Igreja Ortodoxa não defendia somente seu papel didático nem seu lado estético, mas a própria base da fé cristã: o dogma da Encarnação de Deus.

Cristo não é somente o Verbo de Deus em Sua imagem. A Encarnação funda o ícone e o ícone prova a Encarnação. Para Igreja Ortodoxa, o primeiro ícone (fundamental) é, então, o ícone da Face de Cristo.

A veneração das santas imagens – os ícones – do Cristo, da Mãe de Deus, dos Anjos e dos Santos, é um dogma da fé cristã, dogma formulado pelo VII Concílio Ecumênico.

O CONTEXTO DO ÍCONE

O ícone é feito para oração; a Liturgia é o seu verdadeiro contexto.

Elaborado na Igreja primitiva, o ícone prosseguiu seu desenvolvimento na Igreja Ortodoxa, que dele fez-se guardiã. Expressão mais verdadeira de sua liturgia, de sua visão cósmica marcada pela presença do Ressuscitado, o ícone é a imagem litúrgica.

A palavra litúrgica e a imagem litúrgica formam um todo indissociável, este meio de ressonância pela qual a Tradição torna atual e viva a Boa-Nova. Assim, o ícone corresponde à Escritura não mais como uma ilustração, antes da mesma maneira que lhe correspondem os textos litúrgicos: “Estes textos não se limitam a reproduzir a Escritura como tal; eles são tecidos, fazendo alternar e confrontando suas partes, revelam-lhe o sentido, indicam o meio de viver a predicação evangélica. O ícone, representando diversos momentos da história sagrada, transmite, de maneira visível, seu sentido e sua significação vital. Assim, pela Liturgia e pelo ícone, a Escritura vive na Igreja e em cada um de seus membros”.

Numa perspectiva escatológica, ele sugere o verdadeiro rosto do homem, seu rosto de eternidade; este rosto secreto que Deus contempla em nós e que nossa vocação consiste em realizar.

ETAPAS DO ÍCONE

Preparação da prancha:

Originalmente, devemos escolher uma madeira maciça de qualidade. Em França, Rússia, Sérvia, a maioria dos iconógrafos preferem a madeira da tileira, por ser de qualidade e leve. Na Grécia, temos também a indicação de cipreste, nogueira, castanheira, pinho e árvores fragrantes. No entanto, podemos encontrar, nos dias de hoje muitas pessoas trabalhando com MDF e até compensados.

Tendo a prancha escolhida, untamo-la com uma cola específica, colamos uma tela de gaze ou tecido de algodão embebido de cola e uma base branca, preparação que traz, comumente, o nome de “levkas” – composto basicamente de cola de pele de lebre e gesso cré. Existem diferentes receitas, com mais materiais, ou até mesmo algumas diferenças.

O número de camadas também varia de acordo com a receita aplicada, na maioria das vezes, no mínimo 12. A maneira de aplicar também apresenta variações: podemos passar com trincha, lambuzar com a mão ou até com uma espátula, se e quando a consistência for mais espessa.

No final das camadas de “levkas”, lixamos a prancha com lixas de espessura razoável com o objetivo de torná-la cada vez mais lisa e homogênea, atingindo o polimento, que realizamos com uma lixa d'água de alta numeração.

O objetivo final é que a superfície de prancha se apresente como uma porcelana, para que o ouro tenha um bom resultado.

Desenho:

O desenho é o esqueleto do ícone.

Trabalhamos nele, primeiramente, para se ter firmeza nas linhas, nos movimentos e nas idéias que queremos transportar com nossas mãos, mesmo sabendo que são guiadas não somente por nossas capacidades.

É necessário fazer uma relação entre a anatomia e a santidade. A anatomia retrata o humano. As linhas que devemos fazer corresponder aos músculos e parâmetros anatômicos são muitíssimo importantes. O Santo que escrevemos na prancha é homem de carne e osso. Para desenhá-lo, procuramos respeitar a anatomia do corpo humano.

A vegetação bem como a representação da natureza são apresentadas de uma maneira metamorfoseada pela presença da graça de Deus na criação.

Na arquitetura, utilizamos o princípio de perspectiva invertida. Não representamos dimensões, tudo está em primeiro plano, reunido escatologicamente.

Na maioria das Escolas de Ícones o aprendiz passa um bom tempo – cerca da 2 a 3 anos – só desenhando, sem conhecer o pincel e as cores.

Douração:

O ouro no ícone representa o céu, o contexto espacial do ícone. A técnica de origem (bizantina) diz que todo o fundo deve ser em ouro. Posteriormente, o uso do ouro ficou mais flexível; podemos encontrar representações com o uso do ouro somente nas auréolas e em algumas vestes e detalhes.

A folha de ouro é colada de acordo com receitas diversificadas que incluem materiais e técnicas diferentes.

Cores:

Podemos dizer que as cores são a alma do ícone.

Sem elas o desenho ganharia menos expressão. Na Iconografia, as cores são obtidas pela combinação de pigmentos e a emulsão de gema de ovo.

Estes pigmentos podem ser orgânicos e inorgânicos. São produtos que se extraem da natureza, ou que a indústria produz artificialmente, utilizados como materiais coloridos.

A emulsão contém gema de ovo (sem a película), água (melhor se for destilada) e vinagre. A proporção varia segundo a forma de pintar e também as condições climáticas do local em que se realiza e conserva o ícone.

Envernização:

Tradicionalmente, o verniz utilizado na Iconografia é o olifa. Espécie de mistura de um excelente óleo de linhaça que é levado ao fogo com silicatos e matérias químicas deste gênero.

Ele é espalhado com as mãos sobre o ícone, previamente seco e repousado por bastante tempo.

Nos dias de hoje, muitos iconógrafos deixaram de aplicar o olifa. Alguns recorrem a receitas à base de cera de abelha com terebentina, outros à goma-laca, fixadores sintéticos e a diferentes tipos de verniz, como por exemplo o marítimo, atualmente muito difundido.

Monja Rebeca.

Baseado em textos de Léonide Ouspensky, Michel Quenot e Photis Kontoglou.

Rio de Janeiro - 2010